quinta-feira, 31 de março de 2016

Por mais anos que viva

Gosto de ter a minha cabeça organizada  e bem arquivada, que já bem me bastam as confucões dos dias de limpeza, mais os cinzentos em que se me baralha tudo e os de vento onde as ideias voam e vão parar aos mais estranhos lugares. Para voltar a organizá-las é sempre uma trabalheira.
Um móvel alto, dividido em gavetas, por prioridades e cada gaveta tem pastas e sub pastas. A gaveta dos projetos está logo ali ao lado da gaveta das expetativas que por sua vez tem pastas para os detalhes. Ora, se a dos projetos está cheia, pois á medida que os vou concretizando, vou sempre colocando mais, a das expetativas não lhe fica atrás e por mais que viva e ensinamentos que tome, não irei aprender nunca a não a encher.
Quanto mais expetativas crio em projetos que não dependem só de mim, mais desilusões apanho.
Por mais anos que viva, hei-de morrer sem entender as pessoas.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Amanhã

Não sei bem quando foi que o seu sorriso esmoreceu. Se foi ontem, se foi hoje... Se há dias ou há meses. Talvez o peso dos anos mais o da responsabilidade, o das desilusões, quiçá alguma nuvem que te paire no olhar ou alguma lágrima que não o deixe esboçar.
Dizem que a alegria da juventude se desvanece, que se acumulam os momentos de tristeza e solidão, que o cansaço e a exaustão se apoderam dos corpos e das almas esgotando-os. Não sei no entanto como não vi, eu que sou de ver pessoas. E coisas. No olhar e nos sorrisos, não sei...
Amanhã vou dar-te um abraço.

terça-feira, 29 de março de 2016

Uma espécie de aurora boreal mas á noite

ok, não tem nada a ver, mas estava lindo.


Gatos limpadores

Depois do banho chamo sempre a minha Maria. Lambe tudo que é  um instante, fica tudo a brilhar e nem é  preciso  detergente. Vou arranjar mais uns quatro gatos e dispensar a Manuela :)

domingo, 27 de março de 2016

Demência - Repost

Demência

Chegava sempre antes da hora marcada.
Gostava que ainda fosse dia para perscrutar o horizonte e tentar encontrar os contornos de um barco à vela, sinal de que havia solitários como ele no mar, à mercê das ondas e do sol e do frio da noite. Imaginava-se um dia num barco daqueles, com ela. Apenas os dois, um para o outro, um do outro, sem pressas, sem horas, sem medos. Eles, o céu e o mar…
Raramente havia barcos à vela, uma ou outra vez ainda viu um barco carregado de contentores e um barco de pesca, parecia-lhe a ele, lá ao longe. De resto, o mar era aquela imensidão de água em tons de azul que ondulava num vai e vem eterno e constante que o fascinava.
Mas entretanto o sol começava a beijar o mar, tingindo-o de um laranja incandescente que parecia incendiar aquelas águas frias e profundas, como se isso fosse possível e ele logo se esquecia dos barcos para observar aquela imagem tão maravilhosa. Sabia dos milhares de letras escritas, em forma de poema, carta ou livro e das imensas pinturas sobre o pôr-do-sol que o tornaram tão vulgar, mas ele continuaria sempre a apreciar a enorme beleza de tão sublime momento.
Sentia-se porém inquieto e ansioso naquele dia, ao contrário das outras vezes em que a paz tomava conta de si e só se desvanecia com o aproximar da hora do encontro em que uma enorme excitação tomava conta de si ao pensar nela. Na sua imaginação conseguia vê-la a sair do carro, talvez de saia, repleta de vincos por ter sido puxada para lhe deixar as pernas livres para conduzir, as pernas altas e esguias das quais que ele conhecia cada centímetro, a camisa desalinhada, justa no seu peito farto que estava louco para tocar, as faces ruborizadas do calor, que lhe faziam sobressair os olhos expressivos, os lábios carnudos que beijaria apaixonadamente, desesperadamente e o cabelo desgrenhado por causa do vidro aberto do carro, que afagaria agressivamente de desejo no início e mais lentamente quando ficavam os dois deitados, entrelaçados e já saciados.
Imaginava a alegria no rosto dela, quando o visse, o abraço entusiasmado, o beijo excitado que logo o transportava para outra dimensão. Seguiriam juntos então, no carro dele para o quarto onde iriam amar-se, loucos de paixão, tontos de desejo, inebriados pelo sentimento do perigo de serem descobertos. Quase conseguia sentir-lhe o cheiro, o andar desajeitado e nu à sua frente, a tatuagem na omoplata, o sinal no ventre que ela dizia ser grande e flácido, mas que a ele se lhe apresentava liso e musculado. Quase morria de desejo. Naquele dia iria amá-la como nunca!
Cada vez mais ansioso, já começava a sentir o frenesim da chegada da hora e mal podia esperar. Senti-la nos braços, abraçá-la, beijá-la, sorver cada momento sofregamente, sentir-se dentro dela e perder-se por entre os seus cabelos, os seios, as pernas… Que loucura era a dele, que nem o deixava raciocinar. Tinha tantas saudades que era capaz de largar tudo, ir com ela para longe de tudo e de todos, como se de dois adolescentes imberbes e loucos se tratassem. Sim, talvez num barco à vela, aí uns 3 meses, depois logo se veria.
Olhou o relógio e já estava na hora. “Estou insano”, pensou, aquela mulher punha-o louco, demente, irracional. Não importava, assim seria. Iria hoje propor-lhe ficarem juntos.
Reparando que estava já bastante atrasada, começou então a contar as canas dos pescadores solitários espetadas na areia, àquela hora presenças únicas na praia. Que estariam a pensar durante todas aquelas horas em que estavam ali à espera que os peixes mordessem a sua isca? Porque estariam ali? Conheceriam eles mulheres como aquela?
Cada vez mais atrasada, uma hora, duas horas quiçá… nem um telefonema, nem uma mensagem, logo hoje que estava tão sedento, tão ansioso, tão decidido. Ansioso… sabia agora porquê. Ele sabia, ele pressentira aquela ausência. Ela não viria… nunca mais.

Mas porque viria ela, pensou, se até àquele dia nunca tinha vindo?

sexta-feira, 25 de março de 2016

Em fuga

Teimo em fugir das griposes e afins e hoje fui pedalar a solo. Há muito que não o fazia. Eu, comigo, a minha bike e a minha música. Aventurei-me sozinha pelos pinhais adentro a ver se a primavera havia chegado. E chegou. O tempo estava ameno e tudo está a florir. 
Cheira a verde, a madeira e a resina. Um regalo para os sentidos. 
Cantei alto, pensei, ri-me sozinha e falei comigo. Coisas de gaja maluca.
A determinada altura e no meio do pinhal avistei um grupo de homens vestidos á militar com coisas na mão que, pitosga como sou, não conseguia destinguir, pareciam-me pás. Ó diabo, pensei, mataram alguém e estão a enterrá-lo. Mesmo já perto vi que eram armas e fiquei sem pinga se sangue. Decidi armar-me em forte e passar por eles a sprintar para dar a ideia que nunca iriam conseguir apanhar-me, como se isso fosse possível, mas no final de contas, era só um grupo bastante amistoso a fazer paintball, bateram-me palmas, assobiaram e desejaram-me boa viagem, mas quem tem cu tem medo e uma gaja sozinha no meio do pinhal, longe do mundo nem sempre é boa ideia. Adiante. Dirigi-me á lagoa onde parei para ouvir os pássaros e o coaxar das rãs, uma calmaria, uma paz, um momento zen para a minha alma. E pronto, segui finalmente para casa para cuidar dos meus doentes.
Uma boa Páscoa para vocês.









quinta-feira, 24 de março de 2016

Isto está bom está

A minha casa parece uma tenda daquelas de campanha de apoio em alturas de crise.
Ela é mantas e cobertores, chavenas de chá  de limão  com mel meio bebidas, caixas de medicamentos, lenços  de papel e tudo e tudo.
Espirros, tosses e micróbios esvoaçando por todo lado, gente arrepiada e vestida até  aos olhos fungadelas e ranhocas. Ninguém  dormiu hoje naquela casa. A gripe anda por lá e até  ver só  escapei eu. Fugi e não  me apanham lá  tão  depressa.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Vinte cinco!

O vestido era lindo, foi paixão á primeira vista, branco, muito justo marcando-lhe a cintura fina, coisas de gaja antiga, claro, que agora de fina não tem nada, mas agora isso também não vem ao caso, sei que era todo rendado, bordado a finas pérolas, deixando-lhe as costas e os ombros magros á mostra, alargando nas ancas numa saia de folhos sedosos e ondulantes que a faziam sentir-se uma princesa e terminando numa cauda comprida que ele teve imenso cuidado em não pisar assim que ela chegou ao altar. O cabelo apanhado, decorado com pequenas flores, as luvas, os sapatos altíssimos que tanto tempo demoraram a encontrar devido ao pequeno tamanho de seu pé. E o ramo, lindo, de orquídeas também brancas, singelas, escolhido pela mãe com todo o carinho.
Se houve momentos desse dia que ela não consegue recordar pois foram vividos como que num sonho do qual se esfumam algumas partes, a imagem da igreja, repleta de flores e de gente, os olhares e os sorrisos enternecidos dos familiares, as graçolas dos amigos, a lágrima dela no canto do olho prestes a borrar a pintura, os cestos de pétalas e arroz que iriam cair por cima de si assim que chegasse á rua, já de aliança brilhante no dedo, o orgulho do pai ao conduzi-la ao altar e ele, tão bonito, no seu fato com lista de cetim preto e o papillon tão bem composto, a camisa de um branco imaculado. A imagem dele á espera dela, isso nunca irá esquecer.
Já lá vão vinte cinco anos.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Já sei

Que o verdadeiro problema, o cerne da questão , o síndrome das segundas-feiras deve-se ao tão grande cansaço  das actividades do fim de semana.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Limites


Já falei aqui de limites e de como já tive medo de não saber quais são os meus. Não os meus limites de velocidade ou as minhas zonas limítrofes, mas da hesitação e dúvida na tentativa de certas conquistas pessoais, falo acima de tudo dos meus limites físicos e emocionais e não adianta fazer cálculos matemáticos que não foi por aí que lá cheguei.

Muitos ficam paralisados perante os seus limites
Ai como sofro
Ai que não consigo
Ai que não aguento
Ai que nem tento pois já sei que não sou capaz

Se por vezes até temos alguns limites físicos, os verdadeiros limites são mesmo os emocionais que nunca vamos saber quais são até os desafiarmos. E aqueles que dizem sabe-los de antemão porque se conhecem bem demais a si próprios, estão longe de os conhecer na realidade pois eles estão certamente muito além da linha que julgam ser a sua. O medo de sair derrotado e não conseguir lidar com o orgulho ferido é também um bom argumento para desistir antes sequer de começar.
Mas acreditem, conseguimos sempre chegar mais além, subir sempre mais um pouco, sofrer muito mais, aguentar mais dor e ser muito mais feliz do que achamos alguma vez possível. Acreditem, temos capacidades incríveis e forças inimagináveis.
Tentar é o primeiro passo.  E acreditar. Sempre!

quarta-feira, 16 de março de 2016

Há coisas que nunca mudam

Se no inverno adormeço noite dentro, nos dias de luz acordo de madrugada e fico deitada de sentidos apurados a ouvir o mundo a acordar. Adoro sentir o mundo a voltar a vida.
Está  sol que vejo os seus raios vindos dos fixos da escada e fico feliz , os pardais chilreiam à desgarrada, já  não  estão  na palmeira que foi cortada mas nas laranjeiras, nos muros e nos beirais. Ouço uma popa ao fundo, será  a mesma da primavera passada?
Carros começam a passar na estrada e pelo arrastar de cadeiras, o café  está  a abrir. Levanto a cabeça  para ver as horas e a gata Maria está  mesmo em frente do relógio  a olhar para mim, parece uma estátua. Desisto e deixo-me ficar no quentinho da cama, bem coladinha ao corpo dele e de ouvido a escuta. Toca o despertador.
Hoje vesti-me de azul.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Engenhocas

Dizem das malas ou carteiras que nunca devem deixar-se no chão e achava eu que seria porque o chão por vezes deve um pouco á limpeza e a mala anda junto do nosso corpo, da nossa roupa e pegamos-lhe com as mãos. Coisas de micróbios e outras bichezas.
Mas não, afinal não devemos pousar as malas no chão porque dizem que o dinheiro foge. 
Entendo agora porque sou uma tesa. Mas já resolvi o problema.

Primeiro assim:


E agora assim, muito mais sofisticada ein?



A pedido de várias famílias

"O" souflé!
A foto!
Desta vez antes de ser devorado pelas termites da casa e com receita gentilmente cedida pela Imprópria:
50 gr margarina
1/4 l leite
4 colheres sopa de farinha para o bechamel.
Sal, pimenta e noz moscada
Adicionar 4 gemas
Metade das claras em castelo
Queijo e restantes claras
Vai ao forno 30 minutos em forma untada e polvilhada de queijo
Não  abrir o forno durante a cozedura e comer assim que pronto e antes que abata :)
Voilà!

sábado, 12 de março de 2016

UVA, olha eu ainda há pouco!

Hoje descobrimos uma pista de downhill e foi a loucura. Curvas e contra curvas, ondulados, rampas de meter medo e afins. Sempre a descer em alta velocidade e toda de lado nas curvas. As árvores a passarem a correr, os paus a saltarem á nossa passagem, as pedras, quase nem as sentimos. Cheguei lá abaixo com a cara salgada das lágrimas que me saltaram dos olhos com a deslocação do ar.
É claro que esta foto é na parte mais soft e final do percurso pois nas rampas que nos atiram para o espaço eu passei ao lado. Como diz o outro, sou doida mas não sou maluca e não me apetece partir nenhum osso.
Ah! E já sei porque  tenho a zona da boca cheia de rugas. É de fazer boca de broche para soprar nas subidas e de me rir ás gargalhadas nas descidas. Sensações loucas estas!
Em jeito de desabafo, não compreendo mesmo como é que os meus filhos preferem andar toda a noite na rua e dormir durante o dia, perdendo coisas destas... Quem me dera ter descoberto esta paixão quando tinha a idade deles.

 

quinta-feira, 10 de março de 2016

Uma espécie de souflé

Alguém me falou no souflé de queijo que cozinhou com muito amor e carinho para a namorada no Dia da Mulher. 
Foi nesse preciso momento que campainhas, aliás, buzinas e luzes, aliás, holofotes, se acenderam á minha volta. Gaja! Nunca fizeste um cabrão de um souflé na tua vida mulher!
Receita cá para a mão da Gaja, ida ao super para comprar os ingredientes e toca a andar para casa, onde dei azo  ao pequeno ratatui que há em mim e lá me atirei ao souflé.
Refogado de cebola e azeite, farinha e leite, que é como quem lhe chama béchamel.três queijos ralados, cogumelos laminados e fiambre aos cubinhos, gemas de ovos e claras em castelo. Um toque de sal, pimenta e noz moscada. Ooops! Gaja não tem recipiente próprio para souflé, que é como quem diz, redondo e alto. Pois foi mesmo com baixo e retangular, que isto de fazer um souflé não havia de ter assim tanta ciência.  Marido vendo o fogão vazio e olhando o forno perguntou se aquilo era o jantar. Depois, desconfiado, perguntou se era bôla. "Nada disso, é um souflé" respondi armada em Grand Chef de Cuisine Française.
Sei que depois de sair do forno, souflé ficou um pouco abatido e tristonho, coisas de souflé e de forna inapropriada, só pode. Mas família estava esfaimada e enquanto me virei para ir buscar as ferramentas para servir, já S. Exas. devoravam a minha espécie de souflé que, salvo seja estava uma delícia nem me dando tempo para a foto da praxe. Pois ficará para a próxima com o devido recipiente e sem abater.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Prisioneira, mas só um pouco

O dia acontece lá fora e eu vejo-o da janela.
Através dos janelões da sala onde trabalho posso vislumbrar o céu, algumas árvores e arbustos e os carros a movimentarem-se na estrada. Absorta no trabalho gosto porém de olhar a janela de quando em vez a ver um pouco do mundo. O céu estava pintado de vários tons de cinza onde nuvens corriam apressadas. A chuva caiu mais uma vez o dia todo deixando rios de água nos vidros distorcendo-me a visão. Ainda mais, já que os meus olhos teimam em não se adaptar á porcaria dos óculos progressivos que já foram diversas vezes arrumados dentro da caixa, mas acabei sempre por nos dar, a eles e a mim, uma nova oportunidade. Esta minha teimosia com tudo ainda me leva á loucura. 
Hoje, na minha janela não se cruzaram passaritos, apenas aviões e pelo dançar constante das árvores parecia-me que estava frio e vento, mas só dei por eles quando saí e alguns pingos me molharam a cara, peguei no carro e parti para a minha segunda vida. A vida depois do trabalho. Aprecio ambas.

terça-feira, 8 de março de 2016

Música para os meus ouvidos

Possuir coisas, coisas e mais coisas, apenas e só pelo prazer de as possuir nem que seja somente para olhar para elas e sentir-se um possuidor de coisas, não acrescentará muito á nossa felicidade. 
Sou no entanto a orgulhosa possuidora de uma coisa que me faz imensamente feliz. Uma variada e extensa lista de músicas que está em constante enriquecimento e que utilizo quando corro ou pedalo sozinha, ou simplesmente quando quero afastar os outros de mim, voluntária ou involuntariamente, já que, assim como ler e escrever, também ouvir música, a nossa música, é um ato solitário de puro deleite, reflexão ou introspeção, pessoal e intransmissível.
Desde o rock "da pesada" ao fado, passando por excertos de música clássica, hip hop, bandas sonoras de filmes, música alternativa, pop rock e muitas lamechices, tem de tudo um pouco a minha lista. Tudo músicas para velhos dizem-me filhos, mas a mim, embalam-me umas, espicaçam-me outras, puxam-me ao sentimento e ao pensamento, chegando até a falar por mim.

Para nós, Mulheres

domingo, 6 de março de 2016

Sou como um rio

De águas aparentes calmas porém cheias de remoinhos interiores.
Os rios que eu encontro vão seguindo comigo..




quarta-feira, 2 de março de 2016

Descobri

Não sei se o que fiz naquele dia foi o tal do running, ou se o que fiz foi corrida, ou caminhada rápida, não sei. Sei que num destes dias não me apetecia ver gente e por isso não fui ao ginásio depois do trabalho, mas em chegada a casa e já me apetecendo ver gente, a minha, ainda não tinha chegado ninguém. Além disso, a casa estava fria e escura e fechada. Troquei de roupa e saí para a rua.

Aqui só há casas e gente que não é a minha e eu afinal já não queria de novo ver gente e quando eu não quero ver gente, não quero e ponto final. Era já noite e comecei por andar rápido e depois encetei uma espécie de corrida. Sem destino. Detesto correr mas estava a sentir-me bem, tão bem que me imaginei o Forrest Gump a percorrer todos aqueles caminhos durante anos, o meu cabelo a crescer e eu a envelhecer correndo, a paisagens a sucederem-se passando apressadas, as cenas a passarem por mim, aliás, eu a passar por elas. E lá fui correndo, acabando por me dirigir a um dos parques da cidade e depois para a cidade.

Os patos aninhavam-se para passar a noite, no estádio e nos parques em volta, crianças treinavam futebol, cruzei-me com um casal com dois cães, dois ou três outros corredores e ultrapassei outros tantos. Cumprimentámo-nos. Os iguais (ou parecidos vá) cumprimentam-se sempre. E fui correndo. As estradas estavam repletas de carros apressados no regresso a casa, nos prédios acendiam-se luzes, sinal de que já tinham gente dentro, algumas chaminés já deitavam fumo e aqueciam pessoas e eu imaginava as rotinas delas, apressadas de uma divisão para a outra, a preparar o jantar, a acender a lareira, a dar banho aos filhos ou a jantar. Imaginei as risadas, as brincadeiras, as conversas á mesa, a troca cúmplice de olhares, os suspiro da descompressão do dia. Corri, corri, corri, nem sei bem quantos quilómetros, mas foram muitos.

Por fim, satisfeita com tudo o que vi correndo, comecei a dirigir-me para casa, também eu e descobri. Afinal correr é tão bom.

terça-feira, 1 de março de 2016

Talvez saudade

Guardo aqui dentro num pequeno e recôndito lugar do meu coração a chave das memórias passadas. Em busca da razão  para a angústia que me rouba por vezes as palavras, dei com a chave caida por entre as linhas tenues do meu silêncio. Coloquei-a na fechadura e rodei. Memórias  passadas e objetos surgiram então  em forma de cascata, descendo apressadamente no meu pensamento.
Os patins de bota branca que meu pai mandou vir da Alemanha quando eu era uma promissora patinadora,  a caixa dos lápis de mil cores quando mostrei jeito para a pintura, a máquina  fotográfica  Kodak que comprou para mim e minha irmã no intuito de nos incentivar para a fotografia, a pinça para a coleção  de selos e a máquina  de escrever com que me presenteou quando ganhei um prémio com um poema que fiz na escola primária.
A determinada altura deixei de ir á patinagem, deixei os selos de lado e a máquina Kodak foi ficando em casa. Nunca cheguei a ser pintora nem escritora. Guardo porém todos estes objetos e até  alguns mais. Tenho uma enorme paixão  por eles, mas quis a vida e eu que enveredasse por outros caminhos.
Guardo, fechados á  chave, tantos desejos mudos, tantas paixões adormecidas, tantas vontades preteridas. Mas uma coisa eu sinto todos os dias. O sorriso meigo dos olhos de meu pai em mim.